2015/05/25

O streaming e o futuro dos artistas


Muitas vezes somos acusados de ser "contra os artistas" por combater medida que consideramos profundamente injustas, como a recém-aprovada taxa sobre a cópia privada. Mas a verdade é que somos os primeiros a compreender que os artistas precisam de poder viver à custa do seu trabalho para a ele se poderem dedicar. E por isso mesmo, vamos explorar quais as possibilidades que permitem (ou não) que a sua actividade se realize nesta era do digital e do streaming.

Não nos vamos focar sobre a questão da cópia privada, que ultimamente tem dado muito que falar, pois isso acaba por recair sobre um tema diferente - fará sentido um artista receber mais dinheiro pelo facto de alguém que comprou uma música sua a desejar transferir para o seu smartphone, computador, ou carro? É discutível...

Mas então, como pode um artista subsistir nesta era do streaming? E a resposta parece-me que já está dada, pois poderemos olhar para outros exemplos que já têm vindo a surgir há décadas, como por exemplo os canais de TV (e na verdade, às mais básicas regras da oferta e da procura).

Actualmente temos diversos operadores que fazem chegar centenas de canais de TV a casa dos seus clientes. Todos eles nos "oferecem" dezenas e dezenas de canais gratuitos, reservando por vezes alguns canais mais desejados para tarifários mais caros, e disponibilizando ainda alguns canais extra mediante pagamento adicional (Sport TV, Telecines, etc.) Alguns têm até canais exclusivos, fazendo com que quem os queira ver tenha que optar, obrigatoriamente, por um determinado operador. E não me parece difícil prever que para os artistas, o processo será exactamente o mesmo perante os serviços de streaming.



Existem dezenas e dezenas de serviços de streaming de música que prometem levar os conteúdos dos artistas a todos os seus clientes. Daí que a grande questão será se um artista aceita disponibilizar as suas músicas em "todas" as plataformas possíveis, tentando chegar a todos os utilizadores; ou se preferirá negociar um regime exclusivo que lhe possa ser mais vantajoso num único serviço.

No entanto, há que ter em atenção que os clientes destes serviços pagam um valor fixo por mês, e dificilmente aceitarão pagar por múltiplos serviços para o mesmo efeito (quantas pessoas conhecem que subscrevam dois serviços de TV por cabo para poderem ver os canais exclusivos de ambos os operadores?) Pelo que ao optarem por um só serviço estão a colocar de parte milhões de fãs que possam usar outros serviços, nos quais não terão acesso aos seus conteúdos.


Mas, reduzamos o problema ao mínimo. Imaginemos que existe um único serviço de streaming, e que todos os artistas do mundo lá estão representados.

Sendo o único serviço do mundo, este serviço de streaming de música conta com centenas de milhões de clientes que mensalmente pagam o valor da subscrição. Um valor que é fixo, e do qual, depois das comissões e afins, resultará na desejada parcela que será distribuída pelos artistas.

Ora, não será preciso perceber muito de matemática para perceber que este valor irá ser reduzido quantos mais artistas se juntarem ao serviço. Levando o caso ao extremo: se lá tivermos um único artista, teria direito à totalidade do valor; se forem milhões, esse valor seria apenas à fracção correspondente. E isso leva-nos ao caso seguinte: o que acontece então quando um artista moderadamente popular tem que competir com uma vedeta mundial que o eclipsa?

Num serviço onde haja um único valor fixo a distribuir entre todos, quem ganha é quem mais for ouvido: e isso inevitavelmente faz com que qualquer artista menos popular só possa esperar ganhar alguns "cêntimos" (se é que chega a isso). Mas, a única alternativa a isso é voltamos à ideia de venda da música, onde o artista receberia em função do número de vendas - mas que lhe garante apenas o rendimento dessa venda, mesmo que o comprador depois passe o resto da sua vida a ouvir aquela sua música.



Não haverá certamente soluções perfeitas. Mas a minha proposta passaria pela criação de um repositório nacional (para não dizer mundial) onde fossem colocadas todas as obras criativas pelos respectivos autores. Um repositório que garantiria o acesso livre e desimpedido de todos os que a ele quisessem aceder, com algumas condicionantes, claro. Caberia a cada artista dizer se permitia o acesso gratuito, ou mediante um pagamento de um valor de acesso, ou até mediante a compra (que para todos os efeitos seria equivalente a ter acesso ilimitado a esse conteúdo sem pagamentos adicionais. Poderiam até estar contempladas as diferentes formas de licenciamento para diversos tipos de utilização comercial, fazendo com que também os serviços de streaming pudessem ter acesso a esta fonte em igualdade de circunstâncias.

A diferença face aos actuais serviços é que tal serviço passaria a ser independente de entidades comerciais, oferecendo a garantia de acesso (e a manutenção para efeitos de arquivo e preservação). Outros serviços poderão desaparecer a qualquer momento, deixando o utilizador sem nada; mas este estaria sempre acessível.

Claro que os distribuidores poderiam não gostar deste acesso directo entre criadores e público, mas poderiam continuar a focar-se na criação de plataformas que oferecessem mais-valias que atraíssem interessados; e pela parte da protecção dos artistas, poderiam realmente sentir-se protegidos, por verem o seu trabalho ser reconhecido e protegido como elemento cultural que pretendem ser.

O caricato é que de momento, aquilo que de mais próximo existe parecido com tal ideia... sejam os sites de pirataria (e sem a parte de justa compensação dos criadores originais.) Mas fica a sugestão, para que se possa tentar criar algo idêntico... mas bem feito.

1 comentário:

  1. E no entanto seria tudo mais simples, se os autores fossem diretamente financiados pelos fãs no ato de criação de media, como aliás já fazem muitos artistas conceituados do Youtube, Soundcloud, Bandcamp, etc, bem como de vários web comics.

    Estes artistas (e respetivos fãs) já perceberam que não faz sentido cobrar dinheiro por bens digitais publicados na net. E basta ver como muitos deles estão a fazer vários milhares de dollars por mês no Patreon, fora o dinheiro que recebem com donativos diretos e publicidade.

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