2014/08/26

20 factos sobre a PL118 / PL283


A ameaça do regresso da "nova" PL118 é motivo para preocupação entre todos os portugueses, e contra este tipo de abusos só há uma solução: a informação do que se está a passar. A Maria João (mais conhecida nestes meios por Jonas) é uma das pessoas que mais tem batalhado contra este sistema completamente descabido que atira para o ar a defesa dos direitos de autor como justificativo para taxas de forma indiscriminada, absurda, e completamente injusta, todos os bytes de memória digital. Com a sua autorização, reproduzo um dos seus artigos que poderá esclarecer o que se passa, sendo que muitos mais há para ler no seu blog sobre este tema.


1 - O que é a lei da cópia privada?

A lei da cópia privada é uma excepção à lei do direito de autor. A lei do direito de autor diz que uma obra é do seu autor (ou do seu representante), e que mais ninguém pode fazer absolutamente nada com uma obra que adquira. A lei da cópia privada é uma excepção, diz que qualquer pessoa que COMPRE uma obra (ou que lhe tenha acesso legal) pode fazer uma cópia dessa obra, para uso privado. Exemplo prático: eu compro um cd com músicas, posso copiar as músicas para o meu leitor de MP3. A lei da cópia privada permite-me fazer isso.


2 - Mas se me permite copiar uma coisa que eu comprei, porque é que tenho de pagar outra vez?

Na realidade, os defensores da lei da cópia privada não conseguem explicar isto, mas o argumento é de que, ao fazer uma cópia para uso privado, está a prejudicar-se o autor da obra que deve, por isso ser compensado. Sim, bem sei, parece ridículo, porque a cópia privada não prejudica ninguém, e os que defendem esta lei não conseguem apresentar estudos que comprovem o prejuízo. Mas é isto que diz a lei.


3 - O que é que o direito de autor tem a ver com dispositivos móveis?

Nada, evidentemente. No entanto, na cabeça do legislador, como é impossível saber quem é que faz cópia privada e quem é que não faz, optou por taxar todos os dispositivos que permitam a fixação de obras. Isto é, tudo quanto possa servir para copiar obras protegidas por direito de autor é taxado.


4 - Porque é que em vez de taxarem os dispositivos que permitem fixar as obras, não se lembraram de taxar as obras propriamente ditas?

Não sei. Ninguém sabe. É um mistério.


5 - A lei da cópia privada significa que eu posso fazer download do que me apetecer porque já estou a pagar direitos de autor no dispositivo onde vou guardar aquilo que saquei?

Não. A lei da cópia privada não tem nada a ver com pirataria. Apenas é válida para as obras a que tenha tido acesso legal. (Ed. Embora muitas vezes essas obras contenham DRM que impossibilitam a sua cópia - como abordado num ponto mais à frente - mas pelas quais continuaremos a pagar o "espaço".)


6 - Então porque é que tanta gente acha que tem a ver com pirataria?

Porque, na impossibilidade de justificar aquilo que a lei é de facto, muitos agentes interessados na aprovação (ou extensão, para ser mais correcta) desta lei, gostam de meter o conceito da pirataria ao barulho. É inteligente. Como a realidade é injustificável, e ninguém aceita pagar por algo que não causa prejuízo, eles metem a pirataria à mistura, porque assim se torna mais justificável.

Outra razão é porque, a realidade é tão inverosímil, que as pessoas caem facilmente na tendência de achar "não, não pode ser só isto, tem de incluir a pirataria senão não faz sentido nenhum".


7 - Esta lei é nova?

Não. Esta lei é de 1998. Foi revista em 2004. Abrange, neste momento, CDs (virgens), DVDs (virgens), disquetes, K7, e mais uns pós.


8 - Esta ideia é deste governo?

Não. No passado o PS tentou fazer aprovar uma lei semelhante (nas premissas) de alargamento do tipo de dispositivos abrangidos pela lei, através da deputada Gabriela Canavilhas. Esta tentativa despoletou uma reacção agastada nos Blogs, redes sociais, e acabou por ser engavetada. (É consultar os links ali ao lado, refiro-me à colheita de 2012).


9 - Há mais países com este tipo de leis?

O conceito de cópia privada existe em alguns países. Inglaterra é o país que mais recentemente aderiu a esta lei. Tem meia dúzia de semanas a lei da cópia privada, em Inglaterra (sim, por estranho que pareça, era ilegal fazer uma cópia privada em Inglaterra até há umas semanas). Não é cobrada qualquer taxa porque o governo disse que o povo inglês nunca aceitaria pagar estas taxas, que eram injustas e burocráticas.


Em Espanha existe a cópia privada e a compensação, mas esta é feita directamente do orçamento de estado.


10 - Para onde vai o dinheiro da cópia privada?

O valor da lei da cópia privada é entregue à AGECOP - Associação para a Gestão da Cópia Privada. Esta associação recolhe uma parte substancial (quase 50%) distribuindo o restante pelas suas associadas. As associadas da AGECOP são entidades gestoras de direitos de autor. A SPA e a APEL são duas dessas entidades. Essas entidades pegam no dinheiro que lhes coube, reservam uma parte para pagar o seu funcionamento e o que restar é distribuído pelos artistas, de forma proporcional às vendas declaradas.


11 - A distribuição é feita por artistas portugueses ou vai para o estrangeiro?

80% do dinheiro distribuído vai para entidades gestoras de direito de autor estrangeiras, com quem as entidades portuguesas têm protocolos de representação.


12 - Posso inscrever-me numa entidade gestora de direitos de autor para receber o valor referente à cópia privada das minhas obras?

Claro que sim. Terá de pagar a sua inscrição. Terá de inscrever individualmente cada uma das suas obras (pagando a respectiva inscrição, evidentemente), e depois esperar receber a proporção referente à percentagem de vendas que venha a fazer.


13 - Quando compro no iTunes já estou a pagar pelo direito de copiar o ficheiro. Tenho de pagar taxa?

Sim. É a chamada dupla (pode até ser tripla) tributação.

Acrescenta o Nelson Cruz

O iTunes limita a "utilização dos Produtos iTunes em cinco computadores", mas apenas nos produtos com "tecnologia de segurança". E creio que, pelo menos de início, até permitiam e incentivavam que se fizesse mais cópias de segurança. O DRM é que só deixa reproduzir nos 5 computadores autorizados. É também "autorizada a gravação [para CD] de uma lista de reprodução (“playlist”) de áudio até sete vezes". Era uma coisa que algum pessoal até usava para se livrar do DRM. Gravava para CD e depois "ripava". Ficavam com ficheiros limpinhos para ouvir onde quisessem. Mas nada disso se aplica para os produtos iTunes Plus, pois não contêm tecnologia de segurança. Creio que todas as músicas vendidas actualmente são "iTunes Plus". Nesse caso pode-se "copiar, armazenar e gravar Produtos iTunes Plus na medida de razoavelmente necessário para utilização pessoal, não comercial". Cá está a dita licença para fazer cópias para uso privado, já concedida directamente, e paga.


14 - À taxa, acresce IVA?

Sim, à taxa é adicionado o IVA a 23%. O valor do IVA é para o estado.


15 - Quando compro no iTunes uma música de um músico não representado em PT como é q esta lei faz com que ele receba?

Não faz. Um músico que não seja representado, seja porque é estrangeiro e a entidade que o representa não tem um protocolo com uma entidade portuguesa, seja porque opta por se representar a si próprio, não recebe qualquer valor referente à cópia privada. Apenas autores representados por entidades gestoras de direitos de autor poderão vir a receber valores referentes à cópia privada.


16 - Podemos contornar esta taxa mandando vir equipamento do estrangeiro?

Nim. As grandes cadeias (tipo Amazon) são já obrigadas a cobrar algumas taxas do país de destino, naturalmente esta taxa será incluída nessa obrigatoriedade. Pode sempre ir a Badajoz e em vez de trazer caramelos, traz telemóveis. Ou então, aproveita-se a diáspora portuguesa (em franco crescimento) e pede-se a amigos que tenha a viver no estrangeiro (atenção, França não serve, que as taxas de lá são ainda mais agressivas) para comprarem as coisas por lá e mandarem pelo correio. Mas isso deve ser considerado contrabando.


17 - Porque é que o governo quer que eu pague uma taxa pelo meu direito a fazer Cópias Privadas, quando permite que os autores impeçam que a dita cópia, seja efectuada, recorrendo ao DRM?

É mais um mistério. Teoricamente existem mecanismos que permitem a quem compra pegar no recibo e pedir o código de desbloqueio que as editoras têm de depositar obrigatoriamente algures. Mas não depositam, o que inviabiliza o processo. A especialista em DRM é a Paula Simões. Com a ajuda do comentário do Diogo Constantino chegou-se mais longe. É suposto que, quem publica obras com DRM, faça um depósito na Inspecção Geral de Actividades Culturais. Mas desde 2004, que só houve um depósito. Como não existe penalidade para quem não efectua depósito, isto nunca irá mudar.


18 - Porque é que os autores de software, não têm o direito de receber uma "compensação", como os autores de música?

Mais um mistério. Vai-se a ver e esta lei é bastante misteriosa. Provavelmente porque não são artistas. Provavelmente a ANSOL poderá contribuir para esta resposta.


19 - Esta lei não pode ser enviada para o Tribunal Constitucional?

A lei já passou pelo TC em 2004.

Na altura foi feita apenas uma alteração. O TC obrigou a que alterações nos dispositivos e nas taxas passassem obrigatoriamente pela Assembleia da República, razão pela qual a aprovação em conselho de ministros desta semana não entrou de imediato em vigor.

Com a evolução dos modelos de negócio da indústria do entretenimento e com a evolução da tecnologia é possível que algo tenha mudado. Sei que há um grupo de trabalho a dedicar-se ao estudo dessa hipótese.


20 - O que é que se pode fazer para combater isto?

Neste momento (23 de Agosto) o projecto de lei foi aprovado em Conselho de Ministros, e vai dar entrada na Assembleia da República.

Há muito que pode ser feito pela famosa sociedade civil. Não dizem que há pouca participação da sociedade civil em Portugal? Aqui está uma boa oportunidade para fazer uma grandiosa entrada em cena.

Informar, informar, informar. A maior dificuldade que sinto quando falo deste tema (e eu falo MUITO deste tema) é a incapacidade das pessoas perceberem isto à primeira. Estão muito contaminadas quer pela imbecilidade das premissas quer por alguma desinformação de órgãos de comunicação social (que melhoraram substancialmente de há dois anos para cá) quer pela capacidade que os defensores da lei têm em veicular informação errada.

Há mais coisas que podem ser feitas, mas não neste timing. Isto ainda vai passar pela especialidade, na AR, e nessa altura é necessário que haja munições, que não podem ser todas esgotadas neste momento. Estou a preparar um post com algumas sugestões. Será a minha contribuição. E a vossa? :)


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Obrigado à Jonas pela autorização para a reprodução deste artigo, e... vamos lá ver se afinal os nossos políticos estão mais interessados em olhar pelos interesses e justiça dos seus constituintes, ou manter "tachos" anacrónicos para alguns poucos que se embandeiram como sendo detentores dos "direitos de defesa dos autores" (leia-se: meterem uns milhões ao bolso, descaradamente roubados, para depois distribuírem algumas migalhas por quem acharem que as deva receber).

9 comentários:

  1. Isto só vai ser mau... o negocio nacional vai cair, começa-se a mandar vir de fora.

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  2. Ja estou a ver... charters e charters com cartões de memoria....

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  3. o que se devia fazer era uma lista de tudo e todos o que essas associações chupistas representam e fazer um bloqueio a compra desse material...

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    1. Concordo, por acaso ainda hoje ouvi na rádio uma musica nacional que achei engraçada e pensei logo, até podia comprar, mas lembrei-me logo desta taxa em vias de me encarecer os backups de fotos e vídeos das férias e só de pensar nisso a condição de gastar o que quer que seja em musica era no caso do(a) artista em causa não estar a apoiar esta taxa, é melhor deixar lá ficar a musica só na radio... que eu prefiro que me falte um bocado de cultura a faltar espaço para eu cultivar.

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  4. "Esta gentalha da SPA é ridícula, congratula-se com a nova "Lei da Cópia Privada" - estes tristes julgam ter finalmente encontrado o filão de ouro dos "Direitos de Autor, aliando-se a este (des) Governo, patrocinando mais um imposto camuflado, coercivo e que atenta numa doença crônica portuguesa chamada de "Cultura" - "Há Já Muito Tempo que Nesta Latrina o Ar se Tornou Irrespirável"..."

    Este é o testemunho deixado no Facebook por um amigo meu (Tiago Araújo), com o qual concordo plenamente!

    Vídeo "Há Já Muito Tempo que Nesta Latrina o Ar se Tornou Irrespirável"(https://www.youtube.com/watch?v=EDUFtty-aJM)

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  5. É estranho como ainda não se ouviu falar nada disto nos telejornais, tudo bem escondidinho.
    Provavelmente só se falará quando a lei estiver em vigor, assim são uns milhões de portugueses que não se manifestam (porque não sabem de nada).

    Estão tão preocupados em defender os "artistas" que na minha opinião não passam de pessoas com contactos e cunhas que não querem fazer um caralh* da vida a não ser andar em festas.

    Eu ainda não ouvi/li nenhuma justificação plausível para esta lei, nenhuma mesmo...a ver vamos!

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    1. Por acaso já passou na TV
      http://sicnoticias.sapo.pt/cultura/2014-08-22-consumidores-dizem-que-lei-confunde-pirataria-com-copia-privada

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  6. Ainda não me tinha ocorrido a questão do software... Esta lei foi feita por encomenda!
    Não há outra explicação.
    Por mim está decidido... Eu até estou perto de espanha... Vou fazer contrabando!

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