O perigo dos tarifários com dados ilimitados para certas apps

Em altura que tanto se discute e combate pela neutralidade da internet, para garantir que não haja discriminação quanto ao tipo de dados a que se acede; há um segmento que parece estar a passar completamente ao lado da discussão... e a preparar caminho e mentalidades para um futuro que poderá ser assustador: e refiro-me aos planos que vão aliciando os utilizadores com a oferta de serviços com tráfego ilimitado para certas apps.

Frequentemente vemos a luta pela neutralidade da internet a referir cenários em que um utilizador poderia ter que pagar extra para ter acesso a serviços como o YouTube, Netflix, ou para poder usar torrents. É um cenário aterrador, idêntico ao que se o nosso fornecedor de electricidade nos fornecesse electricidade apenas para as lâmpadas, e fosse necessário pagar extra para podermos ligar um frigorífico ou micro-ondas.

Só que, enquanto os operadores de internet fixa vão assegurando que isso não acontece, na internet mobile isso já está a acontecer, mas de uma forma encapotada com a qual não esperam ser alvo de críticas: em vez de cobrar extra por algo, estão actualmente a fazer o oposto - oferecendo tráfego "gratuito". Temos casos como o MEO, que oferece aos seus clientes tráfego ilimitado para o MEO Cloud e MEO Music; ou o WTF, que não contabiliza o tráfego de apps de mensagens.

Embora seja fácil criticar ter que pagar mais por algo, quando nos oferecem algo gratuito que até nos dá jeito torna-se mais difícil manter a coerência. Só que esta oferta é algo que pode ser gratuito actualmente, mas que pode estar a servir de base para algo que nos virá a ficar bem caro no futuro.

É que depois do "público" estar mentalizado que "faz sentido" ter contabilidades diferenciadas dependendo do tipo de tráfego, é apenas um pequeno passo para que o tal cenário do: pague extra para ver YouTube ou poder usar torrents. E isto não se passa apenas por cá, sendo um assunto que também levanta preocupações lá fora.

Conhecendo-se os operadores e a forma como lidaram com os pacotes de canais de televisão, onde para além do serviço - que nos "oferece" centenas de canais (sem interesse) - temos que pagar extra pelos canais que realmente deveriam estar incluídos; ninguém ficará surpreendido por descobrir que queiram fazer precisamente o mesmo no acesso à internet.

Fica o alerta dado. Hoje poderão achar que é bom negócio optar por esses tarifários com serviços oferecidos... amanhã, não se queixem de estarmos todos no buraco que ajudaram a cavar.


P.S. - Como sempre, fica no ar a pergunta do papel da entidade reguladora no meio de tudo isto, e porque motivo não se faz ouvir quanto a esta questão.