2012/09/11

O Futuro das Câmaras Digitais



Nestes últimos tempos (desde que coloquei as mãos numa Sony NEX) tenho pensando bastante sobre a evolução das máquinas fotográficas digitais, e quanta dessa evolução poderá estar a ser atrasada pelo "peso da tradição" das câmaras de rolo das décadas passadas.

A fotografia está connosco há mais de um século, e desde a sua origem que mantém a sua essência: precisamos de uma lente e de um "substrato" capaz de captar a imagem. Até ao surgimento dos tecnologias digitais, isso era algo feito quimicamente, nos rolos fotográficos com película sensível à luz, e durante décadas a evolução centrou-se em formas de tentar fazer com que esses rolos se tornassem de uso mais práticos e cómodo para os utilizadores.


Lembram-se do futurista "rolo" em disco da Kodak da década de 80?

Mas, avançando no tempo... a substituição da película química por um sensor digital, tem sido algo que tem permanecido bastante colado às câmaras que conheciamos do tempo dos rolos.



Entre uma DSLR e um SLR analógica... as diferenças (visuais) não são muitas, a não ser que se espreite para a parte de trás e se veja o ecrã.

Mas, até que ponto é que uma câmara puramente digital deverá carregar consigo todo o peso das décadas passadas, de desenvolvimentos feitos em função dos constrangimentos e limitações que eram os rolos fotográficos?




Uma SLR poderá parecer algo comum... mas tem no seu interior complexos sistemas para permitir que o fotógrafo possa espreitar a imagem que deseja fotografar pelas lentes da câmara, de modo a ver exactamente aquilo que vai ser fotografado. E por isso, a câmara tem que ter um espelho, responsável por desviar a imagem que chega da lente para o visor óptico; espelho esse que tem que "sair da frente" quando se deseja tirar a fotografia propriamente dita.


Reduzindo uma câmara aos seus componentes essenciais, necessitaríamos apenas de uma lente e do sensor responsável pela captação da imagem. E a partir daí, é que se deveria começar a construir a câmara, em função dos acessórios extra (como um ecrã e os botões) e da comodidade de utilização.

Uma vez que o sensor de imagem digital pode estar permanentemente activo, podemos estar a ver continuamente a imagem digital da câmara tal como irá ser captada - sem necessidade de um complexo sistema óptico, ou espelho, que introduz elementos mecânicos que podem atrasar as prestações da câmara.

Isto não é fantasia, e é algo que se tem tornado cada vez mais popular, com as chamadas câmaras "mirrorless", e que começa até roçar algumas misturas que se poderiam considerar quase tabu, como colocar um sensor fullframe de 35mm numa câmara compacta com lente fixa, como a Sony RX1.



No entanto, como a minha relação com a fotografia é meramente de entusiasta amador, resolvi perguntar o que pensam alguns fotógrafos que fazem da fotografia a sua profissão. A questão era um pouco vaga, de como encaram esta evolução no sentido das mirrorless e das câmaras digitais que começam a fugir ao "tradicionalismo" das pesadas e volumosas SLR, quais as vantagens e desvantagens, até que ponto é que um ecrã digital poderá substituir o visor óptico, etc.

E as respostas, são fascinantes, pois focam aspectos nos quais nem pensaria...



Carlos Portilha da Foto Fundador em Guimarães, centra a sua actividade na fotografia de casamentos, e partilha connosco as suas impressões:



Actualmente, temos  fotógrafos que estão a passar uma fase financeira menos boa e que vão mantendo o material que têm, fazendo muito pouco investimento em máquinas, e esperam até que o estado da economia melhore. Do outro lado, temos os fotógrafos com melhor situação financeira e poder económico para investir, ao ponto de já termos autenticas produções cinematográficas na reportagem social. (Sim, porque todos sabemos a qualidade com que uma Canon 7D, por exemplo, filma; e chegam a levar steadycam's e gruas e que fazem trabalhos "à Hollywood").
Quero com esta introdução dizer que, apesar de tudo, os olhos também "comem". E na minha área, são cada vez mais os convidados que se fazem acompanhar de material ao nível - e por vezes melhor! - que aquele que nós, profissionais, estamos a usar para efectuar a reportagem.

Em relação às máquinas mirrorless, infelizmente, não tenho acompanhado nem se quer testado. Mas é verdade que acredito que a evolução, mesmo no campo profissional, vá por aí. Como referi anteriormente, há também aquele aspecto de que temos que "parecer bem" com as máquinas que levamos. E se eu não duvido que pudesse fazer um excelente trabalho com uma câmara como uma Sony NEX 5R, por exemplo, a verdade é que a grande parte dos convidados e mesmo dos próprios noivos de um casamento, poderiam achar estranho estar a usar uma câmara sem o "aparato" de uma DSLR volumosa.

Mas penso que esse estigma de que "tamanho" é sinónimo de "qualidade" na fotografia  é algo que já está a ser ultrapassado - tal como já o foi nas máquinas de filmar, onde as pessoas já não acham nada estranho aparecermos com uma câmara de filmar de mão HD, em vez de aparecer com uma DV de ombro - neste caso são os próprios convidados a dizer que "já há máquinas mais pequenas e melhor que essa".

Voltando ao tema da pergunta, e respondendo a outra das perguntas que me fizeste, é verdade que com a 7D, por exemplo, ainda usamos todos o visor óptico, mesmo de seguida recorrendo ao ecrã. É estranho, até porque podemos fotografar com a 7D em modo Liveview, mas não conheço alguém que o use. Se o visor óptico, por qualquer motivo, ficasse inutilizado numa 7D, também tenho a certeza de que facilmente nos habituávamos a não usá-lo e até poderíamos deixar de sentir a sua falta. Até porque quando faço uns pequenos vídeos com a 7D, já não uso o visor óptico, apenas o ecrã. Eu, e toda a gente. :)

Em jeito de conclusão, sou um potencial interessado nas máquinas mirrorless, até porque fico com a ideia de que é possível ter boas máquinas a preços inferiores. Mas infelizmente ainda não é bem isso que vejo no mercado.





E num registo diferente, solicitei a opinião do Tiago Mota Garcia (e também aqui em versão blog wordpress):


Numa primeira analise, as SLR apresentam um sistema que permite ao fotografo ter mais controlo e percepção do resultado final, a ideia de ter um espelho entre a objectiva e o sensor (ou filme), mostra-nos exactamente no visor a imagem que vai "pintar" o sensor e o resultado da fotografia é muito mais previsível por parte do fotógrafo. Se falarmos de um nível profissional, em que a câmara passa a ser "apenas" um instrumento que tem de captar exactamente o que o fotografo quer mostrar, quanto mais precisa for a câmera, quanto mais controlo permitir, quanto mais variáveis o fotografo conseguir controlar, melhor.

O ideal será o o fotografo ficar dependente apenas da sua sensibilidade e do seu talento (e o "apenas" está a mais). Por  exemplo num caso extremo de um fotografo paisagístico que passa dias, às vezes meses à procura de uma única fotografia, convém ter um equipamento que lhe permita colocar na fotografia exactamente o que pretende, como no caso do fotografo alemão Andreas Gursky que vendeu na Christie´s a fotografia mais cara vendida até hoje (4.2 milhões dólares) com uma fotografia do Reno. A este nível em que a fotografia é colocada nos principais museus e galerias de todo o mundo, o fotografo faz vários testes (antigamente com polaroid) para ter a certeza que aquilo que vai sair na fotografia é o que o fotografo pretende. Para um elevado nível de rigidez de enquadramento, composição, perspectiva, contrastes, luz, o controlo das variáveis é fundamental.


Em relação às mirrorless, temos várias vantagens em relação a outros sistemas como as SLR, o primeiro será a usabilidade, são câmaras mais leves, compactas e isso é muito importante para determinados tipos de fotografia. Por exemplo as primeiras mirrorless, as Leica M, câmaras telemétricas, abriram caminhos na fotografia que até aí eram desconhecidos, permitiram fotografar a atmosfera das ruas, movimento, no fundo fotografias muito mais dinâmicas do que as fotografias estáticas de arquitectura ou paisagens captadas pelas câmaras de grande formato (de Eugene Atget, Kertez, entre outros).

De facto estas primeiras mirrorless, as Leica M, permitiram a fotógrafos (como Henri Cartier Bresson, Robert Doisneau, etc), começar a fotografar de uma forma completamente diferente; passou a ser possível captar emoções espontâneas, sem ser o retrato planeado em estúdio. Mais tarde com o aparecimento das primeiras SLR, como a Nikon F, foi dado aos fotógrafos a oportunidade de terem uma câmara apenas um pouco mais pesada que uma Leica M e que dava um controlo mais próximo das câmaras antigas de grande formato. Este quase "melhor de dois mundo" vulgarizou-se e entre os profissionais as SLR foram as câmaras mais usados durante muitos anos, o que obrigou a Leica a alargar gama para os modelos R (SLR).

As vantagens de uma mirrorless digital moderna passam a questão da usabilidade. Mesmo em termos mais técnicos tem também algumas vantagens, por exemplo o facto de permitir fotografar a uma velocidade de obturação mais baixa que uma slr graças inexistência da vibração provocada pelo espelho quando o obturador é accionado (as SLR tentam minorar esta desvantagem com a função MLU -mirror lock up- em que o espelho é levantado antes de se accionar o obturador para reduzir a vibração quando a cortina é aberta). Neste campo da usabilidade as mirrorless tem também a vantagem de serem mais discretas e silenciosas, importantíssimo em determinadas situações que temos de ser invisíveis para não "contaminar" o enquadramento.

Como desvantagem, temos a questão do controlo de algumas variáveis como por exemplo a profundidade de campo, a perspectiva e o enquadramento dado pelo LCD não é tão preciso como um visor de uma SLR com modernos pentaprismas que cobrem 100% do enquadramento, para além da visualização no LCD nas situações de muita luz ser difícil. Neste aspecto a Fuji resolveu muito bem a questão com a janela híbrida, óptica e digital.

 Depende um pouco do tipo de fotografia que se pretende fazer, para a fotografia de rua podem ser uma excelente opção por serem práticas e discretas, é excelente para registar as férias de quem quer mais do que o simples apontar e disparar de uma compacta, pode ser também uma excelente companhia para o fotojornalista em situações de máxima discrição.

Nenhuma marca quer ficar para trás e estão todas a investir nesta gama mirrorless, com sensores de grande qualidade (em sensibilidade, gama dinâmica, etc). A meu ver a evolução tem sido feita sempre em torno de uma linha ideal, em que a amplitude está cada vez mais pequena, estamos cada vez mais próximos dessa linha, talvez esse sistema ideal seja uma câmara que nos permita o controlo de uma SLR num corpo pequeno leve e compacto de uma mirrorless.



Obrigado a ambos pelo tempo que me cederam e pelas suas opiniões e... fico agora à espera de ouvir as vossas. :)


Actualização: quase uma década mais tarde, a Nikon parece ter cedido à inevitabilidade da transição das DSLR para as mirrorless.

9 comentários:

  1. só um comentário para dar os parabéns pelo artigo.

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  2. Parabéns pelo artigo. Como é obvio o formato SLR vai desaparecer. É uma questão de tempo.
    Parece que já estou a ouvir os fotógrafos a contra-argumentar. Provavelmente são os mesmos que há 10 anos atras juravam que a fotografia digital era gira e tal mas nunca daria para fazer coisas serias.

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  3. O que me falaram, e não sei se é verdade, é que as DSLR tem a vantagem de manter o sensor CMOS com qualidade original durante mais tempo, visto que nas mirrorless o sensor está sempre activado e por consequência o seu desgaste pela captação de luz. A minha primeira camera digital(mirrorless) apercebi-me disso, cada vez ficava mais difícil tirar fotografias à noite como o contraste das fotos diminuiu rapidamente, com a minha ultima DSLR e já tem uns anos ainda não me apercebi disso (o preço também foi bem superior).
    Agora com as DSLR a permitirem novas funções como gravar filmes em HD ou tirar fotografias através do ecrã, começo a pensar se o que ouvi é um mito urbano...

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    1. Pelo que sei, não há qualquer tipo de desgaste nos sensores CMOS. Isto é, haver há, mas será negligenciável durante todo o tempo de utilização da câmara - no sentido em que, haverá muitos outros componentes que provavelmente falharão primeiro, antes que se note qualquer degradação no sensor.

      Bastará olhar para todas as câmaras que gravam vídeo 24h/dia ao longo de anos, e que não "se gastam".

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  4. eu apostaria em maquinas compactas com android tal como a Galaxy Cam

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  5. Sim, eu também aposto na evolução dos S.O. das máquinas.
    O aumento de pixeis e o GPS, já se tornou banal. Agora é ver quem aposta mais num S.O. à maneira. E como é lógico, o Android já levo um avanço !!!!!

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  6. Parei de ler em "em função dos constrangimentos e limitações que eram os rolos fotográficos?"

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    1. São objectos físicos, implicam constrangimentos e limitações (tens que ter espaço para eles, sistemas de aramzenamento, transporte, enrolar e desenrolar, etc. etc.) Qual a novidade?

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