Quando os eBooks nos lêem a nós

Não haverá melhor altura do que a actual para se abordar a questão da potencial invasão de privacidade que acontece não só com os serviços que abusivamente nos espiam sem o nosso conhecimento... como também com serviços que usamos conscientemente, mas cujo alcance poderá não ser imediatamente aparente. E é isso mesmo que pode acontecer com algo aparentemente tão inocente como um simples eBook.

Tal como uma visita a um site na internet resulta em valiosos dados estatísticos que permitem saber se um visitante demorou muito ou pouco tempo no site, que páginas visitou, se seleccionou artigos que depois abandonou no carrinho de compras sem concretizar a compra efectiva, etc. Os eBooks possibilitam recolher toda uma nova dimensão de dados sobre os hábitos de leitura.

Um escritor ou editora pode saber se um livro está a ser lido rapidamente ou lentamente; se há uma grande percentagem de pessoas que deixa de ler o livro em determinado capítulo; se voltam a reler certos capítulos ou passagens; etc. etc. Dados que poderão ser usados para criar novos livros que se aproximem cada vez mais do que os leitores "gostam" (um pouco ao estilo da série de TV que a Netflix produziu, e que integrou todos os elementos que estatisticamente eram os preferidos dos espectadores).

O problema que potencialmente se coloca é - como sempre - quando estes dados, potencialmente "benignos" começarem a ser usados para fins um pouco menos benéficos. O que impede um governo de fazer uma pesquisa rápida para ver que cidadãos têm lido livros que abordem temas "indesejados", colocando-os numa "lista negra"?

Será que vai ser necessário criar e utilizar o equivalente a uma rede Tor para que se possam aceder e ler eBooks de forma anónima e privada? Ou será que acabará por ser mais simples continuar a recorrer aos "velhos" livros em papel, em cujo silêncio ainda se pode confiar?