2015/03/16

A culpa é da pirataria! (tal como foi da rádio, TV, cassetes, etc.)


São muitos os casos em que o chamado "bom senso" geral fica pasmado com as atitudes que a indústria e os seus supostos defensores têm face às novas tecnologias - como actualmente se passa com as indústrias musicais e cinematográficas face à internet. Mas o mais absurdo é que isso revela apenas mais um episódio de uma longa tradição de cegueira monumental.

Hoje em dia temos que lidar com casos absurdos como a perseguição de IPs e a imposição de pagamentos milionários por alguém que tenha descarregado algumas músicas ou filmes (que poderia muito bem ter gravado da rádio ou TV), mas isto é apenas mais um episódio de uma longa telenovela que se vai repetindo há quase um século.

Actualmente ninguém estranhará que a rádio seja uma das melhores amigas da indústria musical; mas recue-se cerca de um século, e a indústria discográfica estava em pânico perante o surgimento da rádio e da ideia de que as pessoas poderiam ouvir música de borla! O efeito disso não nos é desconhecido, com a imposição de taxas sobre a rádio de modo a compensar a indústria pela redução dos discos vendidos (que afinal até vieram a aumentar graças à difusão da rádio).

Algumas décadas mais tarde, o grande inimigo era a televisão. Com as pessoas poderem ver programas e filmes em suas casas, como poderiam os cinemas sobreviver? (In)felizmente desta vez não conseguiram impor taxas, e esperava-se que tivessem aprendido a lição... mas não.

Avancemos mais uma década, e quando afinal já tinham compreendido que a televisão era afinal um novo meio que podia e convinha ser explorado, chega o serviço de TV por cabo, um serviço que prometia melhor programação e melhores canais (pagos); e novamente se instalou o pânico entre os que tinham investido na televisão, exigindo que este novo segmento fosse regulado e travado, como forma de equilibrar os campos. E o mesmo se foi repetindo, uma e outra vez, com praticamente qualquer inovação feita em áreas que directa ou indirectamente estivessem relacionadas com estas áreas: das antigas cassetes áudio, à época áurea dos videogravadores e dos videoclubes; até chegarmos finalmente ao momento actual, em que a "culpa" de todos os males é da internet.

É inevitável que, daqui por mais 1, 5 ou 10 anos, estas indústrias que agora querem crucificar a Internet como sendo facilitadora da pirataria já tenham atingido - finalmente - de que o facto de venderem menos não é culpa da pirataria, nem que a poderão combater com o tipo de medidas que insistem em usar. A única forma que há para eliminarem a pirataria é torná-la desnecessária, e para que isso aconteça tudo o que precisam fazer é olhar para a Internet como um novo horizonte cheio de oportunidades... que por teimosia insistem em não querer aproveitar - e só precisam olhar para o passado e verem o que fizeram com a Rádio e TV, para chegarem a essa mesma conclusão.

5 comentários:

  1. Eu acho que isto é sintomático de um problema mais profundo: apesar de a sociedade estar cada vez mais digital, as nossas leis (principalmente as de direitos de autor) e hábitos de consumo ainda são as que são usadas para bens físicos.

    Uma vez que os bens digitais são inerentemente distribuíveis, tecnicamente imutáveis e passíveis de serem copiados indefinidamente, toda a barreira que se impõe é meramente artificial e temporária. Isto também significa que o seu valor é praticamente nulo.

    Isto são características que os bens físicos não têm: podem ser únicos, de tiragem limitada, há um custo associado à distribuição, entre outras. Por isso, se realmente os artistas querem usar o mundo digital para fazer dinheiro, tem de ser através da cobrança do serviço de produção artística aos fãs (através de publicidade nos sites, patrocínios, crowdfunding de projetos [Kickstarter/IndieGoGo], crowdfunding mensal [Patreon], etc), e não através de cobrança da distribuição de conteúdos digitais.

    No dia em que fizerem esta transição, a pirataria deixa de existir, por definição.

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    1. Ponto de vista interessante, biohazara. Para reflectir.

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    2. Que é o que já muitas bandas (no caso da música) fazem, e tem resultado bastante bem.

      Uma outra coisa que já tenho vindo a assistir de forma recorrente é: faz download grátis do nosso ábum, para isso subscreve a nossa newsletter. Divulgam o seu trabalho e oferecem os conteúdos.

      Hoje em dia muitas bandas (caso musical, novamente) ganham dinheiro com concertos e merchandising, não propriamente pela venda de música. E quem realmente procura os conteúdos físicos, acaba por comprá-los.

      Não faz sentido não explorar os meios que existem ao dispôr, infinitamente mais benéficos do que prejudiciais.

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    3. Exato, com o bonus que de as editoras passam a ter um papel reduzido ou mesmo inexistente, porque as bandas comunicam diretamente com os fãs, mas infelizmente ainda vai demorar que isto se torne o standard para todo o conteúdo digital.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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