2012/09/26

Downloads de Filmes e Músicas é Legal diz Ministério Público


É uma medida que quase parece surreal, simplesmente por ir de encontro aos desejos da maioria dos portugueses - ou melhor dizendo - da prática comum e desenfreada que se tornou o download de filmes e músicas da internet por via das redes de partilha P2P, para uso privado.

No seguimento da queixa feira pela ACAPOR (Associação do Comércio Audiovisual de Obras Culturais e de Entretenimento de Portugal) de 2000 internautas há cerca de um ano, publicitado com muito alarido como sendo o início de uma nova era de caça aos "piratas", o DIAP (Departamento de Investigação e Ação Penal) vem agora dar a conhecer as suas conclusões com um despacho que não poderia ser mais antagónico para as pretensões da ACAPOR, concluindo:

Acresce que, do ponto de vista legal, ainda que colocando-se neste tipo de redes a questão do utilizador agir simultaneamente no ambiente digital em sede de upload e download dos ficheiros a partilhar, entendemos como lícita a realização pelos participantes na rede P2P para uso privado - artº 75º nº 2ª) e 81º b) do CDADC, - ainda que se possa entender que efetuada a cópia o utilizador não cessa a sua participação na partilha.

Quanto à questão de tal poder ir contra Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC), relembram também que a defesa destes interesses deve ter em conta "o direito à educação, à cultura, da liberdade de ação no espaço cibernáutico (sic), especialmente quando tal liberdade se cinge ao individual nada se relacionado (sic) com questões comerciais, com o lucro de atividade mercantil". Ou seja, aquilo que muito era frisado que, uma coisa é entrar em esquemas de pirataria onde se visa lucrar com o trabalho dos outros, outra coisa é a simples partilha sem intuito comercial.

O mesmo despacho refere ainda a impossibilidade de se querer associar um endereço IP a um "culpado", e critica igualmente a forma como a ACAPOR lidou com o processo, referindo que a mesma não apresentou qualquer documento comprovativo de que os autores das obras proibiram expressamente a sua disponibilização pública - sendo que só nesse caso se poderá considerar crime a sua partilha pública.


Entretanto, a ACAPOR já terá reagido, solicitando a nulidade do inquérito, e dizendo que isto resulta apenas da falta de vontade do Ministério Público em não ter que realizar as 2000 investigações necessárias para este processo.


Mesmo sendo um despacho polémico (e histórico?), não deixa de ser um pouco ridículo que - em vez de se preocuparem em arranjar formas de capitalizar e ganhar dinheiro satisfazendo uma necessidade que este novo mercado digital tem (as pessoas querem ver os conteúdos, o mais rapidamente possível após a sua disponibilização, seja lá em que parte do mundo estiverem) - os ditos protectores dos artistas (ou pelo menos de alguns - uma minoria, talvez, quem sabe?) continuam a insistir na mesma tecla de sempre, da perseguição e repressão, de algo que nunca conseguirão fazer terminar.

Querem acabar com a pirataria e a partilha em larga escala? É simples... arranjem formas legais que sejam ainda mais atractivas que a facilidade das tais partilhas gratuitas que tanto odeiam. E isto significa igualmente: não tratar um cliente comprador como um criminoso em potencial, fazendo-o gramar com avisos e mais avisos do FBI e sei lá que mais, antes de poder ver um filme; não infectar os conteúdos com DRM que depois impossibilitam que se possa usufruir desses conteúdos onde e como se quiser; e outras coisas que tais.

Abram os olhos... Se até o Ministério Público chegou a esta conclusão, que mais esperam conseguir ao manter a cabeça enterrada na areia? (Se calhar querem um sustento caído no céu, tipo a tal taxa por Megabytes de armazenamento, não?)

[via exameinformatica]

6 comentários:

  1. Incrível. A justiça portuguesa a tomar uma decisão razoável...

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  2. Penso que já ouviram falar na Lei Hadopi, aprovada no tempo de Sarkozy para combater o download "ilegal" de ficheiros.

    A estrutura que foi criada para aplicar a Lei, para detecção dos downloads, avisar os infractores e levá-los a tribunal em caso de reincidência, custa 12 milhões de euros por ano.

    Há dias conseguiram a primeira condenação, uma multa de €150. A equivalente francesa da ACAPOR ficou toda contente, mas em seguida ficou furiosa com a Ministra da Cultura, por achar um grande disparate a desproporção entre o custo dos meios para aplicar a lei Hadopi e os resultados obtidos e que havia outros meios para apoiar o sector da música.

    Por cá, certamente a ACAPOR gostaria que os contribuintes pagassem os €12 milhões para fazer a investigação aos 2000 internautas acusados, para se obter uma condenação em €150.

    Assim de repente lembro-me de várias utilizações melhores para os €12 milhões, por exemplo para investigar as comissões pagas nos dois submarinos que custaram €1000 milhões.
    P.S. Na verdade a investigação dos submarinos existe, mas palpita-me que fica em águas de bacalhau.
    http://www.france24.com/fr/20120914-internet-hadopi-telechargement-illegal-filippetti-choque-sacem-condamnation-culture

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    1. Deduzindo do que li entretanto, com um elevado grau de certeza, as coisas passaram-se assim:

      A ACAPOR pôs nos torrents ficheiros identificáveis como sendo filmes em exibição.
      Anotou 2000 IPs de quem fazia os downloads e apresentou queixa, pretendendo que os detentores dos IPs fossem identificados, que fosse feita uma peritagem aos respetivos computadores e que fossem punidos por infracção ao Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos.

      De facto a questão central disto é o Ministério Público dizer que esse Código não proíbe o peer-to-peer e o download de ficheiros por essa via para uso particular, não comercial. De certeza que entendem mais de leis que eu, que só posso dizer que quem aprovou o Código foi sensato.

      Mas há uma coisa que é clara - se a queixa da ACAPOR fosse para a frente isto é bem pior que a Lei Hadopi. Os franceses ainda se deram ao trabalho de criar uma estrutura que, penso eu, terá em conta algum factor aleatório na caça aos infractores (segundo a lei francesa são infractores, segundo a nossa não).

      Cá não, a ACAPOR pôs-se à caça do pessoal que faz o download de cópias de filmes por altura da estreia, geralmente em mau estado e com legendas intragáveis. Acho que sei o tipo de pessoa que são, querem ver os filmes todos, têm resmas de DVD, boa parte deles já estragados e que já não conseguem reproduzir - mas também vão aos cinemas. Alugar filmes é que penso que nem por isso, mas não é queixa da ACAPOR que irá ressuscitar os vídeo-clubes.

      O segundo aspecto é que a Lei Hadopi, antes de levar alguém a tribunal avisa-o (penso que são duas ou três vezes). Se a queixa da ACAPOR fosse para a frente, não havia nada disso. Era bem pior, os coitados ficavam lixados e pronto.

      Claramente o que a ACAPOR queria era arranjar uns bodes expiatórios que servissem de exemplo. Isto não tem nada que ver com justiça. Ainda bem que o Ministério Público os mandou pentear macacos.

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  3. Concordo!!!!!! Finalmente vejo a justiça portuguesa a tomar uma decisão prudente... O problema da pirataria tem de ser resolvido, mas atenção, é preciso mudar o ponto de vista que se utiliza para tentar resolver o problema....

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  4. Não concordo.
    Claramente a decisão do tribunal teve como intuito castigar uma acusação "preguiçosa" que achou que não tinha que procurar provas para condenar a partilha pública.
    Parece-me evidente que a cópia e partilha de um conteúdo pago será declarada ilegal no recurso, quando a ACAPOR demonstrar que os autores proíbem de facto a disponibilização pública gratuita dos conteúdos (lembro que as rádios têm que pagar para passar as músicas).

    Quanto às formas alternativas de ter acesso aos conteúdos, elas já existem: Music Box, Spotify para streaming, ou iTunes e Amazon para compra são alguns exemplos de lojas onde podem ter acesso legal aos conteúdos desde que os paguem...

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  5. "Quanto às formas alternativas de ter acesso aos conteúdos, elas já existem: Music Box, Spotify para streaming, ou iTunes e Amazon para compra são alguns exemplos de lojas onde podem ter acesso legal aos conteúdos desde que os paguem..."

    É engraçado ver que algumas destas soluções não funcionam em Portugal, como ainda a google play, entre muitas outras lojas online.
    Sempre me perguntei porque é tão difícil negociar direitos de autor em portugal ... será por isso que há tantos downloads ilegais ?

    Já agora tenho uma duvida o musicbox não passa factura das musicas que sacas como provas que é tua ? e se mudares de operador ?! não há em teu poder prova alguma que a musica vem dali.

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