2009/05/24

Sinais dos Tempos

Vivemos numa época instantânea.

Numa altura em que tanto se fala sobre a legitimidade de descarregar conteúdos da Internet, da pirataria, dos direitos de autor, dei por mim a voltar ao passado... recordando-me como as coisas eram no século passado, na minha infância e adolescência ainda bem presentes na memória.

Antes de poder sequer sonhar com a ideia de que - qualquer dia - a hipótese de ter um computador em casa se tornaria possível, a minha ideia de tecnologia era o computador que existia onde o meu pai trabalhava.
Lembro-me de aquilo lá ter sido instalado com pompa e circunstância, com o seu monitor CRT de fósforo verde, a impressora matricial barulhenta a debitar papel perfurado, e as suas disquetes de 8". Oh oh! O tempo que eu passava a olhar para o "engenheiro" que lá teclava, a ver o cursos piscante saltitar de lado para lado...
Era muita tecnologia... e pior que tudo: completamente inacessível e indecifrável.
Já muito feliz ficava eu quando me davam uma ou outra impressão ASCII feita no papel contínuo, que pendurava orgulhosamente no meu quarto como se fosse a mais valiosa obra de arte.

Embora a TV já tivesse alguns programas interessantes, maravilha-me com as séries que os meus primos mais velhos me descreviam e que já não passavam na TV - séries com agentes secretos, séries de ficção - que acumulava com as séries que o meu pai me contava ver quando ia ao estrangeiro. Tudo coisas com as quais podia apenas imaginar. Imaginar que talvez - algum dia - pudessem passar novamente na TV, para que eu as pudesse ver.

Outro dos pontos altos eram as idas ao cinema. Tchii... que raio de vício me meteram logo desde chavalo.
Hoje atiram uma PSP ou Nintendo DS para as mãos de um puto, naquela altura o meu pai dava-me 50$00 para eu ir a um qualquer cinema cinema na baixa portuense. Caminhar não era problema, e tinha ali perto os Lumiére, o Trindade, Coliseu, Batalha, S.João, Águia D'Ouro, Passos Manuel, etc.
Via-se o que estreava, e as estreias dos filmes aguardados causavam enormes filas nas bilheteiras...

Mas, para isto não descambar num artigo cinematográfico que devia ir para o Um Dia Fui ao Cinema, o importante é que novamente me falavam de filmes que já tinham passado anteriormente... e com os quais eu sonhava algum dia poder ver.
Mais concretamente, lembro-me perfeitamente de ver o Star Wars: The Empire Strikes Back, e de ficar bastante triste quando me disseram que este era a continuação de um anterior... que só poderia ver caso algum cinema se lembrasse de o passar novamente.

De vez em quando isso lá acontecia... foi assim que pude ver o 2001: Odisseia no Espaço no cinema Foco, com apenas duas ou três pessoas a assistir. Mas na grande maioria... ou se via um filme na altura, ou então... nunca mais.


Tudo isso mudou com o surgimento dos leitores VHS e dos vídeo-clubes. De um momento para o outro, podiamos ver os filmes que queriamos, sem estarmos dependentes dos cinemas nem dos (dois) canais de televisão. Foi uma revolução!

Finalmente pude ver e rever filmes que guardava na minha lista de títulos acumulados durante os anos, que os meus amigos me diziam "tens que ver!"

Os novos lançamentos eram ansiosamente reservados com semanas de antecedência nos vídeoclubes... e, dependendo do nível de confiança que se tinha com os donos ou empregados, por vezes lá os convencíamos a encomendar alguns filmes menos conhecidos.

Para quem tinha família no estrangeiro, tornou-se também possível passar a receber algumas "prendas"... foi assim que fiquei a conhecer o Knight Rider, e ver os Tranformers (animação) anos antes de passarem na TV nacional.

O mesmo acontecia também para a música... com a procura de certos albuns menos conhecidos a obrigarem ao conhecimento de certas lojas e pessoas, capazes de os encontrar e encomendar.

Claro que... tudo isso demorava tempo: dias, semanas, meses...


Voltemos à parte instantânea que escrevi na primeira frase.

Hoje em dia, tudo isso - filmes, música, livros, etc. - estão imediatamente acessíveis a qualquer pessoa com um computador. Quer por vias legais, com lojas tipo iTunes e outras, quer por vias ilegais.
Muitas vezes, mesmo que se queira pagar pelos conteúdos, estes não estão disponíveis: ou porque não estamos numa zona geográfica "correcta", ou porque o conteúdo que nos querem vender vem envenenado com DRM que o tornará inútil mais cedo ou mais tarde.
Daí que, na maior parte das vezes, a causa da pirataria que tanto se fala, acaba por ser unicamente... a não existência de outra alternativa.

Arranje-se forma de fornecer os conteúdos que os consumidores querem, *como* e *quando* eles quiserem... e o problema será drasticamente minimizado. Aproveite-se também para, de uma vez por todas, actualizar as partes das receitas que vão efectivamente para quem merece - como se justifica que um autor receba menos de 10% do lucro da sua criação, ficando a parte de leão para as editoras e distribuidoras?

Se já pagamos taxas em CDs e DVDs virgens, taxas de TV mesmo que já paguemos TV por cabo, e outras tantas "taxas" que nem sabemos existir... talvez seja por isso que os próprios ISPs façam publicidade para que usemos a internet para descarregar músicas, jogos e filmes.

Parece-me que a tecnologia muda, mas as coisas permanecem na mesma... enquanto houver a ganhar milhões à custa da exploração de outros, está sempre tudo bem. Quando se fala em mudança... é sempre o "fim do mundo."

Pela primeira vez, parece que assistimos à mudança que permitirá aos artistas e criadores finalmente tomarem controlo sobre a forma como as suas obras são usadas e vendidas, sem necessitarem pagar uma taxa de 90% a alguém que diz representar os seus interesses.

Certo que haverá sempre pessoas que vão piratar e usufruir sem pagar - isso é algo que não adianta perseguir; podendo até argumentar-se que, atingindo uma maior audiência, poderá até funcionar como publicidade extra, que permite que o seu trabalho chegue a mais pessoas... pessoas dispostas a pagar.

O ponto fulcral em que se deviam concentrar é: arranajr forma de disponibilizar os seus produtos de forma rápida e de fácil acesso, de preferência a um preço justo.
(Se actualmente dos 25 euros que pagamos apenas 10% vão para quem o criou, o artista poderia vender o mesmo produto a um preço efectivo de 5 euros, que teria ainda assim um lucro 100% superior ao que tem actualmente - sem contar com o aumento exponencial do número de vendas.)

5 comentários:

  1. Já que falas da disponibilidade, e dos intermediários, há outras situações.

    Falando com o dono da loja BEST GAMES apercebo-me de uma triste realidade. Não somos nós que compramos os jogos ou as consolas... São as lojas!
    É verdade é! O produtor do jogo\consola coloca o produto nos distribuidores, mas quando este vai para as lojas, a venda está finalizada. A loja é obrigada a comprar ao distribuidor os jogos, quer os venda, quer não! Ou seja, se as lojas pedirem para stocks 1 milhão de unidades, esse produto já facturou 1 milhão de vendas, mesmo que ninguém o compre.
    Isto é muito triste se considerarmos que existem estratégias para forçar as lojas a adquirir os mesmos. É que as lojas podiam refugiar-se nas previews encontradas na internet e dessa forma limitar ou mesmo não encomendar o que previam não vender. Mas infelizmente isso não pode acontecer por motivos vários! Certos titulos AAA (os de vendas certas e elevadas) bem como consolas, vêem o seu número limitado conforme a facturação da loja junto do fornecedor. Se não se comprou a surrapa antes, não há direito aos títulos de venda garantida, a grande número de consolas ou às campanhas das pré reservas com as ofertas nelas incluídas.

    Esta pode parecer uma boa protecção que o distribuidor dá ao fabricante, garantindo-lhe logo as vendas, mas não será bem assim.
    Muitas lojas limitam as encomendas e as vendas de forma a não assumirem prejuízos, sendo que outras menores fecham mesmo as portas ou eliminam o produto do seu stock.

    Os intermediários pensam mas é em si, e na sua facturação e não na dos clientes que representam. Basta ver o caso do lançamento do ultimo episódio do WOW. Aqui em Barcelos havia 20 interessados na colectors edition, e a loja tinha de comprar 50 jogos só para ter direito a uma dessas edições. Ora para 20 jogos, tinha de pedir 1000 jogos normais para receber as 20 colectors edition, o que era incomportável pois a loja pela sua dimensão nunca venderia as 1000 unidades. Assim pediu 200 jogos, mais do que o previsto vender, para conseguir pelo menos 2 colectors edition. E apesar da encomenda apenas recebeu uma.
    O que aconteceu então? Bem, as versões mais caras (colectors edition) ficaram nas prateleiras das grandes superfícies, e as versões standard (mais baratas) nas prateleiras das pequenas superfícies.
    E se as colectors edition com o tempo desapareceram das prateleiras, o mesmo já não se pode dizer das edições normais que deram prejuízo às pequenas lojas que se encontram impedidas de retornar o stock não vendido.
    E o mesmo se passa com as protecções de preço. As lojas compram os jogos,mas se o fornecedor revelar uma descida de preços do produto normalmente as lojas pedem aquilo que se chama a protecção de preços, ou seja que o dinheiro pago a mais anteriormente, ao pagarem o preço de custo anterior à descida, fique como crédito para futuras compras. E se isto acontece normalmente, há casos em tal não é verdade. Por exemplo, a CPCDI, distribuidor da XBOX em portugal, recusou-se a dar protecção de preços das descidas de preços da consola, apesar de a MICROSOFT quando contactada referir que eles estavam a dar essa protecção à CPCDI e que como tal eles teriam de a dar também às lojas.
    POIS SIM!

    INTERMEDIÁRIOS... cambada de vampiros, ladrões e xupistas ;)

    PS: Peço desculpa pelo testamento, e gostava de esclarecer que não tenho qualquer relação comercial com a BEST GAMES, CPCDI ou mesmo qualquer outro fornecedor.

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  2. Grande artigo. Excelente relato que é o teu mas que poderia ser de outros... ou o meu!

    Também adorava ir ao Foco ou ao Lumiére. Também passei nas outras salas todas, claro! Até ao cinema do shopping Brasilia ia com respeito (só aquele shopping na altura, xiii)
    O Domingo era para isso mesmo: ir ao cinema.

    Ai o fósforo verde nos ecrãs da altura tornavam tudo mágico (era de não saber nadinha de computadores e imaginar o potencial dos filmes como o War Games e tal).

    Mas os tempos mudaram e nos dias de hoje a chatice é se não há disponível na internet e na hora...
    Parece que tudo até já deixou de ter valor e quando tem é por pouco tempo pois avançamos logo para nova sensação e parece que esquecemos o resto...
    Adorei o artigo!

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  3. O Charlot no Brasília... ehehhe.
    E tinha também aquelas máquinas arcade logo perto da entrada, onde passava N tempo a olhar para lá (e a gastar algumas moedas também :)

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  4. Acho que o último filme que vi nesse cinema, o Charlot, foi "Os Deuses devem estar loucos 2"... ou terá sido o "Batman" de Tim Burton? Já não tenho a certeza...
    Mas o mais fixe de todas as salas de cinema de todo o Porto, eram as cadeiras do Estúdio Foco... só a suavidade com que desciam conforme o peso de cada um... só isso já era memorável!

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  5. Computador com ecrã de fósforo verde (muito moderno para os tempos em que ía aos serviços em que o meu pai trabalhava) disquetes de 8" (foi num sistema assim que fiz uns cursecos de programação em CBT da Control Data (?).

    50$00 (porra eu tinha direito a uns 5$00 - o bilhete no cinema de ar livre dos serviços do meu pai custava 2$50 e ficava a uns 5 minutos a pé).

    Repetições de filmes só as que o Sr. Carneiro queria (era ele quem programava os filmes).

    Estou mesmo velho.

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